Wednesday, August 31, 2005

 

fuuuu, fuuuu, ou o som que o vento faz nos telhados em bico na alemanha.


Subitamente, o pé dele bateu em qualquer coisa, decepando rudemente o passo apressado que acabara de dar, e projectando para a frente o seu corpo ingénuo, confiante na integridade dos seus passos.
Se bem que quase se pode enredar a situação num lugar comum pagajoso, a maior parte das pessoas crêem na integridade das suas passadas. No entanto, a calçada da realidade, tem a tolerância da mesma. Sentiu então uma aresta calcária desenhar-se na cara, numa queda desamparada, estupefacta e quase lenta. Caiu com a sensação estóica que não havia nada a fazer senão cair, com a aceitação da sentença dos condenados à morte sem apelo nem agravo, e que não querem apelo nem agravo. Caiu sem esperança.
Sentiu ainda os contornos do desenho de duas perguntas, atrás de uma cortina de fumo, na parte de trás do seu cerebro. Perguntas que não encontraram maneira de se transmitir ao seu rosto, que não lhe conseguiram enrugar a testa, nem tão pouco demover as sobrancelhas.
Porque é que o seu pé direito, ao reparar que o esquerdo tinha sido travado, não tentou compensar a perda de equilíbro, projectando-se por sua conta para a frente? Não. A verdadeira pergunta é porque é que ele não o tinha querido fazer. E se o tivesse feito será que o tinha conseguido? Perguntas inúteis, agora que o seu semblante impassível estava espalhado pela calçada...
Quando levantou a cabeça para olhar em volta, havia algo de diferente na paisagem. Tinha perdido o brilho já de si mortiço, que lhe dava vida anteriormente. O negrume do rio parecia imóvel. Não que ele lhe tivesse detectado movimento antes de cair, simplesmente sentia agora que o rio estava imóvel. As estrelas estavasm espremidas, elipsadas, como se tivessem sido pintadas de fresco, e uma mão impaciente as tivesse testado, na ânsia de continuar a pintar. Mas a impressão mais estranha vinha da faixa luminosa que representava a cidade de lisboa. Não que tivesse mudado significativamente, simplesmente parecia irreal, fantasmagórica. Uma observação mais cuidada despertava uma memória no cerebro dele. O 5º nível do tomb raider 3. Londres. A paisagem 'pixelizada' parecia estar aqui repetida perante os seus olhos. Não só 'pixelizada', mais do que isso, lisboa parecia escorrida. As luzes misturavam-se com o mar como uma aguarela à chuva, e as sombras pareciam mais próximas.
Esticou a mão e apercebeu-se que podia tocar na distância. Distância?
A paisagem que passara anos como pano de fundo da sua vida estava a dois metros dele. Não era mais que papel de cenário. Grosso papel de cenário.
Depois... o que é que interessa o depois... o depois é um princípio. Como todos os princípios, este é aborrecido, descritivo, projectado, incompleto. O fim é que terá interesse, e ele sabe que este ainda vem longe.

Há tempo. Há esperança. Há de haver um novo papel de cenário. Agora vai ser almada e o barreiro vistos de lisboa, inevitavelmente, à noite.

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